“É muito dinheiro para quem paga e pouquíssimo para quem recebe. A diferença vai toda para o governo. E o retorno em serviços públicos, como saúde e previdência, é totalmente precarizado”, alerta o presidente da CDL, Adelaido Vila
O número recorde de empresas abertas em Mato Grosso do Sul em abril — 1.118 registros, sendo 478 apenas em Campo Grande — reacende um debate necessário: o crescimento dos CNPJs no Estado indica avanço do empreendedorismo ou é reflexo da pressão tributária que tem levado trabalhadores e empregadores a alternativas fora do regime formal?
O dado, divulgado pela Jucems (Junta Comercial), mostra que o setor de serviços concentrou 841 dessas aberturas — atividade com entrada simplificada, baixo investimento inicial e estrutura flexível. No entanto, a CDL alerta: nem todos esses registros podem ser considerados sinais de desenvolvimento econômico consistente.
Para o presidente da entidade, Adelaido Vila, é preciso olhar para além dos números. “O que estamos vendo é pejotização. Profissionais que deveriam estar contratados com carteira assinada estão sendo empurrados para abrir CNPJ como prestadores, porque ninguém mais consegue arcar com os encargos sobre a folha de pagamento”, afirma.
Segundo a Receita Federal, a carga tributária efetiva sobre salários pode ultrapassar 41% quando se considera a totalidade dos encargos incidentes sobre a remuneração — incluindo INSS, FGTS, IRPF e tributos indiretos que incidem sobre o consumo. Na prática, um salário de R$ 1.500 pode custar quase R$ 2.900 para o empregador. “É muito dinheiro para quem paga e pouquíssimo para quem recebe. A diferença vai toda para o governo. E o retorno em serviços públicos, como saúde e previdência, é totalmente precarizado”, pontua.
Essa pressão sobre o regime formal tem impulsionado a abertura de CNPJs por necessidade, e não por iniciativa empreendedora genuína. Um retrato disso pode ser observado nos dados sobre os Microempreendedores Individuais (MEIs) em Campo Grande. A capital concentra 68.676 MEIs ativos. Quase metade deles — 44,8% — são mulheres, majoritariamente na faixa dos 30 a 44 anos, atuando em atividades de baixa margem, como comércio varejista de roupas e acessórios, serviços de beleza e promoção de vendas.
Embora o MEI seja uma porta legítima para a formalização e geração de renda com autonomia, ele também se tornou, em muitos casos, o caminho imposto diante da impossibilidade de inserção via emprego formal. “Se olharmos com atenção, não estamos falando de empresas estruturadas com funcionários e expansão. É uma massa de pessoas formalizadas por exigência do mercado, mas sem a rede de proteção que a CLT oferece”, alerta o presidente da CDL.
A discussão que se impõe é sobre a qualidade da formalização. A multiplicação de CNPJs, em especial os ligados ao setor de serviços e de atuação individual, pode estar camuflando uma substituição silenciosa do emprego com direitos por contratos de prestação de serviço precarizados. Isso transforma o dado positivo em um alerta: é preciso entender se o que está crescendo é o empreendedorismo ou a fragilidade das relações de trabalho.
Por Djeneffer Cordoba – Jornalista